José da Costa
A interrupção de três semanas no fornecimento de energia elétrica ao Amapá é um tema que tem tomado as manchetes dos principais meios de comunicação do Brasil, pela sua abrangência e duração e pelas consequentes repercussões negativas para as atividades econômicas e sociais do Estado.
Algumas questões surgem: quais as causas das interrupções?; quem são os seus responsáveis?; que lições devem ser extraídas desse acontecimento?
Antes de analisarmos o caso específico do Amapá, vamos apresentar uma breve descrição das características do sistema elétrico brasileiro e informações sobre sua performance. O sistema interligado brasileiro é formado pela chamada rede básica, com abrangência nacional, composta pelas principais usinas geradoras e pela rede de transmissão, que opera em tensões de 230 kV ou superiores e tem como uma de suas funções precípuas, transportar a energia gerada até os centros consumidores. A partir destes pontos, a energia é transportada pelas empresas de distribuição, através de redes operando em tensão igual ou inferior a 138 kV, até os consumidores finais.
Este sistema elétrico brasileiro, com uma capacidade de geração de cerca de 180 mil MW, 160 mil quilômetros de linhas de transmissão, atendendo a mais de 80 milhões de unidades consumidoras e com uma carga total de 70 mil MW médios, é um dos maiores do mundo.
A implantação, operação e manutenção da rede básica é feita por diversas empresas de geração e transmissão, sendo o planejamento de responsabilidade da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE); a coordenação da operação é do Operador Nacional do Sistema Elétrico (NOS); a regulação e fiscalização setorial, incluindo a distribuição, são da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Segundo o Conselho Mundial de Energia, principal instituição imparcial na área de energia do mundo, que todo ano analisa a performance energética de 130 países, o Brasil é “top ten”, quanto à sustentabilidade ambiental e quanto à segurança e confiabilidade de fornecimento de energia.
No ano passado, em média, cada consumidor brasileiro teve 9,25 interrupções, com duração total de 12,5 horas (0,14% do tempo). Deste total, a rede básica é responsável por menos de 10% da duração, ou seja, em torno de uma hora por ano.
Normalmente a rede básica é planejada para atender o chamado critério “N-1”, isto é, o sistema deve continuar suprindo energia a todos os consumidores, mesmo com a falha de qualquer componente.
Dada esta explicação geral sobre o sistema elétrico brasileiro e sua performance mundialmente reconhecida, por que aconteceu este apagão no Amapá? O Amapá foi recentemente conectado ao sistema elétrico brasileiro através de uma linha de transmissão de 230 kV, em circuito duplo, a partir de uma derivação da linha Tucuruí- Manaus, na subestação de Jurupari, passando pelo município de Laranjal do Jari e chegando à subestação de Macapá, onde se conectam também as usinas hidrelétricas Ferreira Gomes, de 250 MW, e Cachoeira Caldeirão, de 219 MW.
A subestação de Macapá foi planejada para operar nesta fase, com três transformadores de 150 MVA cada, abaixando a tensão de transmissão de 230 kV para 69 kV, para alimentar a carga do Estado, de cerca de 250 MVA. Ou seja, o critério “N-1” estava preservado. Na falta de um transformador, a capacidade da subestação seria reduzida para 300 MVA, suficiente para atender a carga de 250 MVA.
A ocorrência ainda está sendo analisada e, portanto, ainda não podemos tirar conclusões definitivas. Pelas informações que circulam, um dos transformadores estava danificado e fora de operação desde o ano passado. No último dia 3, ocorreu um sobreaquecimento em uma das “buchas” de um dos dois transformadores remanescentes em operação. Este sobreaquecimento provocou um incêndio que afetou também o outro transformador em operação.
Então surgem as seguintes questões:
1– Por que o transformador danificado, que estava fora de operação, desde o final do ano anterior, não tinha ainda sido recuperado?
2 – Os transformadores e demais equipamentos da subestação atendiam as especificações técnicas exigidas?
3 – A empresa proprietária da subestação (um grupo financeiro que comprou o ativo da espanhola Isolux) estava procedendo às adequadas manutenções preventivas e preditivas?
4 – Por que a proteção do transformador não atuou a tempo de evitar o incêndio?
5 – Por que o incêndio não ficou restrito ao transformador com a bucha sobreaquecida?
6 – Para quais circunstâncias deve ser exigido o critério “N-2”?
7– As exigências para a habilitação de empresas nos leilões de geração e transmissão estão adequadas?
Estas perguntas e muitas outras precisam ser respondidas nesta avaliação criteriosa, que é sempre feita em casos semelhantes, e as medidas devidas tomadas, para se adequar a governança setorial e os critérios de outorga de concessão, gestão, planejamento, fiscalização, operação e manutenção do sistema, para se evitar interrupções deste porte, melhorando assim, cada vez mais, o suprimento de energia a nosso país.
José da Costa é engenheiro eletricista e ex-presidente da SME, da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás) Atualmente, é sócio-diretor da ABC Energia.
SME/Assessoria de Comunicação