Março: mês da água e da mulher


Foto: Patrícia Boson – Coordenadora da Comissão Técnica de Recursos Hídricos e Saneamento da SME e membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente

No mês de março, dia 08, comemora-se o Dia Mundial da Mulher, e no dia 22 o Dia Mundial da Água. Talvez, não seja uma mera coincidência, embora haja justificativas históricas para cada um. Digo isso pelo fato de a água ser um elemento essencialmente feminino.

Vejam que o simbolismo da água como fonte de vida é mencionado em quase todas as referências sobre a origem do universo. Desde o Gênesis, na Bíblia, até o Alcorão, ou mesmo em escritos não religiosos, como os do filósofo grego Aristóteles, que cita Thales de Mileto (624-546 a.C) ao afirmar que a água seria o elemento original ou o princípio de todas as coisas. Por outro lado, nas artes, a Vênus de Willendorf, primeira imagem conhecida da mulher, na pré-história, é uma estatueta em pedra, com formas bem avantajadas: os seios, quadris e ventre enormes, configurando imagens que simbolizam, acima de tudo, a fertilidade, o alimento, a vida. A relação entre água e feminilidade é, também nas artes, frequentemente destacada por vários autores, que representam a fertilidade, a sensualidade, a flexibilidade e a instabilidade como atributos (chamo de vantagens competitivas) relacionados à mulher e no elemento aquático.

Nesse mês, portanto, feminino de comemoração, a água e a mulher podem até apresentar um elenco de conquistas nesse final do Século XX, como, para ficarmos com exemplos bem emblemáticos, a instituição da Política Nacional de Recursos Hídricos, expressa na Lei n.º 9433, e, na Lei Maria da Penha. Entretanto, iniciamos o Século XXI, já há duas décadas, com fatos e dados que não apresentam cenário nacional favorável a comemorações.


Crédito da Foto: Freepik

Vou me ater ao elemento água, como mulher, especialista em gestão de recursos hídricos e coordenadora da Comissão Técnica de Recursos Hídricos e Saneamento, da SME, tendo o privilégio da afinidade entre a observadora e elemento observado. Sem muito tecnicismo, apenas deflagrando o que salta aos olhos até de leigos.

Os números são aterrorizantes. Só nessa última semana do mês de março, no Espírito Santo, 29 mortes e 20 mil desabrigados (famílias que perderam tudo), consequência de chuvas extremas e nenhuma gestão de recursos hídricos. Nos últimos dois anos, no país, foram mais de 500 vítimas fatais das chuvas e dessa ausência. A gestão e mitigação dos efeitos dos eventos hidrológicos extremos é um dos objetivos da mencionada Política de Recursos Hídricos. Objetivo que só está posto por ser factível. Há ações de gestão, há conhecimento, há aplicativos e há engenharia desenvolvida disponíveis para que os órgãos gestores alcancem esse objetivo. Temos, como mais um dado flagrante, 92 milhões de brasileiros sem acesso à coleta de esgoto, e quando há coleta, não há tratamento universal; são 5 mil piscinas olímpicas de dejeto humano jogados diretamente em nossos rios, todos os dias. E não preciso apontar aqui nosso total domínio tecnológico para essa questão.


Crédito da Foto: Freepik

Sendo água elemento sagrado em várias religiões, e, certamente vital, a alma feminina apavora com o descaso de nossas lideranças políticas diante desses fatos e dados, traduzido na falta de investimentos, no baixíssimo orçamento dedicado e no total desprezo para com a engenharia especializada. A maioria de nossos órgãos gestores não tem uma equipe formalmente especializada, são verdadeiros hospitais sem médicos, como se possível fosse, para conhecer, prever e atuar em gestão para segurança hídrica.

Mas, ao mesmo tempo essa alma feminina regozija, ao tomar conhecimento da pesquisa, recentemente feita pela The Nature Conservacy Brasil (TNC), revelando que 73% dos brasileiros acreditam que a água é um bem pouco cuidado. Fato, está mesmo sem qualquer cuidado, mas ao menos essa percepção se amplia. Se nossas lideranças não escutam a engenharia especializada, quem sabe escutam seus eleitores. Haverá assim um 22 de março para se comemorar, e as águas de março fecharão o verão com vida e não com mortes, perdas e mais poluição.

Leia a reportagem completa da pesquisa da TNC

https://www.tnc.org.br/conecte-se/comunicacao/artigos-e-estudos/pesquisa-publica-agua-2024/#:~:text=73%25%20dos%20brasileiros%20acreditam%20que,florestal%20e%20da%20gest%C3%A3o%20integrada.&text=A%20%C3%A1gua%20%C3%A9%20um%20recurso%20natural%20muito%20utilizado%20e%20pouco%20cuidado

 

 

 

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