Entre as profissões presentes no chamado mundo contemporâneo, a engenharia padece de um problema crônico: sua pouca visibilidade. Ela está presente em praticamente tudo o que está ao nosso redor – nas construções, nas comunicações, nos medicamentos, no alimento que ingerimos, entre inúmeras outras aplicações, apenas para citar algumas. Mas, no senso comum, a engenharia está ligada apenas às grandes obras civis de infraestrutura e às edificações: casas e prédios, principalmente, que são as mais visíveis. Nos outros segmentos, ao olhar do cidadão comum, a engenharia não se faz presente.
Discutir formas de valorizar a engenharia foi o tema central do painel de encerramento do 92º Encontro Nacional da Indústria da Construção (Enic), da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), que durante o evento, lançou campanha destinada a ampliar o olhar da população sobre a engenharia, de forma melhorar a percepção sobre sua presença no cotidiano das pessoas.
Formação de engenheiros – Durante o debate, várias foram as sugestões apresentadas para se valorizar a atividade. Para o engenheiro civil Aécio Lira, ex-diretor da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e hoje um especialista no ensino da engenharia, a valorização da profissão passa por uma reforma profunda do modelo de formação dos novos engenheiros vigente hoje no país.
Segundo ele, há dois tipos de profissionais. Um é o daqueles que encontram-se no que ele chama de topo da pirâmide, oriundos de escolas como UFMG, Universidade Federal do Paraná (UFP), Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e Universidade Mackenzie, em São Paulo. Estes, segundo ele, estão alinhados aos parâmetros mais contemporâneos da engenharia, que são o uso da metodologia BIM, a inteligência artificial e a internet das coisas, que constituem o que é comumente conhecido com engenharia 4.0.
Nas demais escolas do país, o modelo de ensino está assentado, ainda, segundo Aécio Lira, na engenharia 3.0. Por isso é que ele clama por uma urgente aceleração do processo de transição do ensino de engenharia no país, do modelo 3.0 para o modelo 4.0. “Há uma lacuna que temos que, rapidamente, superar”, pondera Aécio Lira.
Eduardo Lafraia, presidente do Instituto de Engenharia, também entende que a valorização da profissão passa pela educação de base, para que se tenha engenheiros mais bem preparados. Ao mesmo tempo, ele acha oportuno se rediscutir temas da atualidade, ligados às chamadas engenharias tradicionais, como o modelo de licitação segundo o qual o melhor projeto é sempre o que tem o menor preço.
Menor preço – “É uma economia porca que pode comprometer todo o empreendimento”, diz Lafraia, para quem é preciso mudar a cultura dos engenheiros e também dos tribunais de contas e dos promotores, que estão sempre querendo achar um defeito nas concorrências. Para ele, o resultado de tal cultura está nas dezenas de obras inacabadas existentes no país. “Qual o custo do dinheiro investido que está parado? Quanto custa a guarda de um patrimônio que está se deteriorando?”, indaga o presidente do Instituto de Engenharia. Para ele, tal situação – a das obras inacabadas – também contribui para a degradação da imagem da engenharia em um país que, segundo ele, tem excelência nessa área, mas precisa passar por determinados ajustes para que consiga manter-se na vanguarda.
Quem também bateu nessa tecla foi o presidente da Comissão de Infraestrutura da Cbic, Carlos Eduardo Jorge Lima. Para ele, na contratação de serviços e engenharia, não cabe o pregão pelo menor preço. Com exemplo da distorção criada por este critério, ele citou a situação atual em que, em plena pandemia, ocorreu um aumento generalizado dos preços de vários insumos de construção, como cimento, aço e tubos de PVC, mas as empresas esbarraram nas limitações legais para conseguir o reequilíbrio de contrato.
“Parece que estamos pedindo um favor, que estamos pedindo uma ilegalidade”, afirma Carlos Eduardo Jorge. Segundo ele, tal situação é a responsável pela paralisação de obras importantes, principalmente em São Paulo, porque o Estado se nega a discutir o assunto. Por isso, às autoridades contratantes, ele pede: “Invistam na capacidade da engenharia. Respeitem a engenharia”.
Gestão compartilhada – A necessidade dessa maleabilidade foi ressaltada também por Ilso José de Oliveira, vice-presidente de Obras Industriais e Corporativas da Cbic. Para ele, na área das obras industriais, o detalhamento do projeto normalmente ocorre durante a fase de implantação, algo como se a empresa executora do projeto estivesse construindo um avião em pleno vôo.
“Na quase totalidade dos projetos industriais, acontece dessa forma”, explicou Ilso José de Oliveira que, por isso, ressaltou a importância de contratantes e contratados adotarem a gestão compartilhada de projetos e obras. De acordo com Ilso, do custo total de um empreendimento industrial, a fase de projetos corresponde a algo em torno de 5 a 7,5% do total. Por isso, segundo ele, a importância da gestão compartilhada.
Para o presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), Joel Krüger, a valorização da engenharia passa também por uma maior aproximação da instituição com as empresas do setor e com as instituições que as representam. O objetivo, segundo ele, é fortalecer a defesa das empresas brasileiras contra uma possível entrada indiscriminada de empresas estrangeiras no país.
“Não tenho medo da concorrência, mas não pode ser uma abertura indiscriminada”, afirmou o presidente do Confea, que enxerga as empresas do setor como depositárias de um capital tecnológico que precisa ser preservado. “As empresas brasileiras são de altíssimo nível e precisam ser preservadas”, ressaltou Joel Krüguer.
Como ações concretas nesse sentido, ele citou a atuação, junto ao Congresso Nacional, na Frente Parlamentar de Engenharia, Infraestrutura e Desenvolvimento Nacional, que foi recriada em 2018, e o alinhamento da estratégia de atuação junto à Cbic. O objetivo, segundo Joel Krüger é que o Confea deixe de ser apenas uma instituição que cuida só do registro profissional para atuar também na definição de políticas públicas para o setor.
SME defende maior interação com sociedade
Para a engenheira Virgínia Campos, presidente da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME), não há, por parte da população, dúvidas quanto à importância da engenharia no mundo atual. Porém, essa importância não é, segundo ela, tão refinada ao ponto de as pessoas perceberem que a engenharia é muito mais que apenas a construção civil e a infraestrutura, como na produção de energia e nas rodovias.
De acordo com Virgínia Campos, quando o olhar das pessoas é direcionado ao seu cotidiano, elas não conseguem perceber a presença da engenharia, por exemplo, nas comunicações, na mobilidade, na agricultura, na medicina, como agora, nos equipamentos médicos usados no enfrentamento da Covid e na logística que será implementada para a distribuição da vacina. Para a presidente da SME, essa visão simplificada da engenharia é uma herança cultural da antiguidade, em que grandes obras marcaram a história das civilizações passadas.
Para ela, o aumento da percepção acerca da importância da engenharia passa por algumas medidas práticas. A primeira delas é o aprimoramento dos canais de interação entre a engenharia e sociedade, de maneira a mantê-la informada e, ao mesmo tempo, ouvindo-a e realizando seus anseios.
Para Virgínia Campos, a casa própria é o melhor exemplo do papel da engenharia no mundo atual, pois trata-se de um produto da construção civil que representa, para o cidadão, a realização de um sonho, a materialização de sua capacidade de dar qualidade de vida à família e a abertura de uma porta para que ela se integre à sociedade e tenha pleno acesso aos serviços públicos, ao mundo do trabalho e à formação de sua identidade cultural e social.
“Nós podemos resumir, sem risco de errar, que todas as ações contidas e executadas no ambiente das engenharias visam garantir direitos aos cidadãos, de ir e vir, de acesso à educação, segurança alimentação, saúde. É a base de uma uma série de instrumentos que ele tem para construir uma vida de significado”, ressalta Virgínia Campos. Ela conclamou os debatedores presentes a trabalhar pela criação de um indicador que sirva para medir a importância da engenharia no mundo contemporâneo e que poderia ter como referência o índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), que tem o amparo da Organização das Nações Unidas e já é utilizado em várias pesquisas.
SME/Assessoria de Comunicação