Incorporando fatores climáticos na avaliação de riscos de infraestrutura: uma abordagem essencial para a engenharia no contexto da mudança climática

Victor Pires Gonçalves é engenheiro de Energia e especialista em Geoprocessamento e Análise Espacial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). É especialista em clima da empresa de consultoria I Care Brasil

A emergência climática cria importantes desafios à engenharia, em especial na adaptação de obras e infraestruturas projetadas no passado com base em parâmetros climáticos agora desatualizados. Algumas infraestruturas construídas no passado, como pontes, estradas e sistemas de drenagem,  não estão preparadas para lidar com a maior intensidade e frequência dos eventos climáticos extremos que enfrentamos atualmente.  Assim, novos projetos de engenharia precisam ser desenvolvidos com base nos parâmetros climáticos mais recentes e em projeções futuras. Isso inclui considerar o aumento das temperaturas, a elevação do nível do mar e mudanças nos padrões de precipitação ao longo da vida útil prevista para a infraestrutura.

A preocupação com as infraestruturas é determinante , pois elas são essenciais para o funcionamento das sociedades modernas. Garantir que pontes, rodovias, sistemas de abastecimento de água, sistemas de drenagem, redes elétricas e outros componentes críticos da infraestrutura sejam resilientes às mudanças climáticas é vital para evitar interrupções econômicas e sociais severas. Neste sentido, incorporar os novos dados climáticos nos projetos de engenharia permitiria reduzir o risco de falhas estruturais e melhorar a resiliência das construções.

Importante evidenciar que essa preocupação é compartilhada por inúmeros atores. O Fórum Econômico Mundial, em seu Relatório de Riscos Globais de 2023, indicou que desastres naturais e eventos climático serão segundo maior risco à economia mundial nos próximos 2 anos.  Falhas nas ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa e nas ações de adaptação à mudança climática serão os principais riscos no médio prazo.

Figura: Pesquisa de Percepção dos Riscos Globais de 2022-2023
Fonte: Fórum Econômico Mundial

Os danos causados por eventos climáticos extremos às infraestruturas são uma realidade percebida inclusive pelas grandes seguradoras. Segundo dados da resseguradora Swiss Re[1], os desastres naturais relacionados ao clima causaram perdas econômicas globais de aproximadamente 275 bilhões de dólares em 2022. Já segundo a seguradora AON[2], os prejuízos ultrapassaram 313 bilhões de dólares. No Brasil, estimam-se perdas de mais de 5 bilhões de dólares. Foram mais de 1.100 desastres naturais no Brasil em 2023 segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadem).

Os desafios ficam cada vez mais evidentes, como no contexto da recente tragédia no Rio Grande do Sul, que recebeu alto volume de chuvas na última semana de abril e no mês de maio de 2024, provocando enchentes e inundações. Foram 469 municípios afetados no Rio Grande do Sul (de um total de 497 – 94%), com mais de 580 mil desalojados, óbitos confirmados e 2,3 milhões de indivíduos afetados[3]. Segundo projeção da Confederação Nacional dos Municípios (CNM)[4], os prejuízos do desastre já somam R$ 10,4 bilhões.

Uma das imagens mais emblemáticas da tragédia no Sul do País e que se relaciona com a preocupação sobre o impacto de eventos climáticos extremos sobre as infraestruturas é a imagem do aeroporto Salgado Filho de baixo d’água. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o aeroporto internacional da capital gaúcha deve ficar inoperante até a segunda semana de agosto, causando prejuízos inestimáveis. A Fraport, empresa que administra o aeroporto, já pediu a renegociação dos termos do seu contrato por causa dos prejuízos.

Figura: Inundação do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, que ficará fora de operação até agosto
Fonte: Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)

Neste cenário de eventos extremos mais intensos e mais frequentes, a mensuração da probabilidade de ocorrência de uma ameaça climática e avaliação de seus possíveis impactos torna-se fundamental para as infraestruturas de empresas e indústrias. As organizações que não compreendem os efeitos dos riscos das alterações climáticas em suas operações estão mais vulneráveis e podem acabar se tornando menos competitivas.

Para apoiar empresas e indústrias, em 2021, foi publicada a norma ISO 14091, que oferece diretrizes para uma avaliação criteriosa dos riscos e oportunidades associados ao clima sobre infraestruturas. O levantamento do risco é essencial para fundamentar um plano de adaptação de longo prazo, exigência cada vez maior dos investidores e seguradoras. As diretrizes da ISO 14091 são aplicáveis a qualquer organização, independentemente do setor ou tamanho e engenheiros estão aptos a aplicá-la. A I Care Brasil, empresa de consultoria em estratégia ambiental, preparou um infográfico com dicas práticas sobre como seguir essa norma: https://i-care-consult.rds.land/infograficoriscos

Nos últimos anos, na minha atuação profissional na I Care, realizei uma série de levantamentos dos riscos climáticos sobre infraestruturas usando as diretrizes da ISO 14091: no setor portuário, no setor de geração de energia e sobre infraestruturas de saneamento. Nestas experiências, ficou evidente que a análise de riscos climáticos desempenha um papel vital na proteção de infraestruturas e ativos em face aos efeitos negativos das mudanças climáticas. Ao identificar os riscos nas infraestruturas desses setores, foi possível desenvolver estratégias de adaptação, buscando fortalecer a resiliência das empresas e indústrias. Além disso, a adoção da ISO 14091 pode aumentar a confiança dos investidores e outras partes interessadas, demonstrando um compromisso proativo com a sustentabilidade e a gestão responsável dos riscos climáticos.

____________________

[1] Informação recuperada de https://www.swissre.com/dam/jcr:1d793484-9b96-4e54-91c3-09f8fc841bde/2023-05-sigma-01-english.pdf

[2] Informação recuperada de https://www.aon.com/getmedia/f34ec133-3175-406c-9e0b-25cea768c5cf/20230125-weather-climate-catastrophe-insight.pdf

[3] Defesa Civil RS. Defesa Civil atualiza balanço das enchentes no RS – 27/5, 9h. Disponível em: https://estado.rs.gov.br/defesa-civil-atualiza-balanco-das-enchentes-no-rs-27-5-9h

[4] Informação recuperada de https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/em-um-mes-tragedia-no-rio-grande-do-sul-contabiliza-r-10-4-bilhoes-em-prejuizos-e-registra-numeros-recordes-nos-ultimos-11-anos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *