Joel Goldenfum: “Mitigação não basta, temos de nos adaptar às mudanças do clima”

Sociedade Mineira de Engenheiros (SME) promove de 22 a 24 de setembro, em parceria com o Crea-MG e o Centro Universitário Dom Helder, a Semana da Engenharia. O evento, na sede da instituição de ensino, trará importantes reflexões sobre os principais desafios da atualidade, posicionando a engenharia como vetor estratégico para o desenvolvimento sustentável e a garantia dos direitos sociais. Serão três dias de debates, com autoridades em temas de relevância para o desenvolvimento nacional: Gestão de Águas Pluviais e Drenagem Urbana; Engenharia e Inovação, com foco em inteligência artificial e ética; e Mudanças Climáticas e Segurança Alimentar.

Respeitado entre os pares, com inserção acadêmica nacional e internacional, o professor Joel Goldenfum será um dos painelistas da Mesa Redonda – Infraestruturas Hídricas em Tempos de Eventos Climáticos Severos, no dia 22. Mestre em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutor em Hidrologia pelo Imperial College, em Londres, no Reino Unido, Goldenfum se licenciou da direção do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH-UFRGS), para assumir como secretário-executivo do Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática, do governo do Rio Grande do Sul.

Instalado oficialmente em 26 de junho de 2024, logo após o maior desastre ambiental do estado, o Comitê tem a missão de abastecer de informações técnicas e científicas o Comitê Gestor do Plano Rio Grande, a Secretaria da Reconstrução Gaúcha (Serg) e as demais secretarias que até hoje enfrentam os impactos da tragédia. Os pareceres são a principal ferramenta de trabalho do grupo, que reúne mais de 50 profissionais. Entre as recomendações adotadas até agora estão radares meteorológicos, aerolevantamento, batimetria, dragagens, sistemas contra cheias.

Nesta entrevista à Newsletter da SME, Joel Goldenfum antecipa alguns destaques que apresentará na agenda em Belo Horizonte.

Como o senhor avalia o cenário de mudanças climáticas? Em maio de 2024, chuvas fortes e enchentes afetaram cerca de 2,3 milhões de pessoas em 471 municípios gaúchos, causando quase 200 vítimas e cenas dramáticas que impactaram o país. Como enfrentar esse cenário?

A adaptação às mudanças climáticas são hoje uma realidade. Precisamos nos convencer disso. A mitigação não basta. Digamos, em uma cenário hipotético, porque não é a realidade que vivemos, que países e grande companhias comecem a se preocupar em reduzir emissões e aumentar capturas de CO2. No ponto em que chegamos, não é mais possível trabalhar apenas com mitigação. As mudanças estão postas e temos que nos adaptar a elas, porque os eventos são mais recorrentes e, vimos, cada vez mais intensos.

Qual experiência o senhor leva da academia para o atual posto que assumiu agora, professor?

Em 2014, quando atuava no CEPED-RS, o Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres, coordenei um diagnóstico bastante apurado sobre o tema. Na época, elaboramos um estudo profundo para avaliação da vulnerabilidade da Bacia do Taquari-Antas, localizada na Região Hidrográfica da Bacia do Guaíba, área de 26.430 km² e população superior a 1 milhão e 380 mil habitantes. Eventos recentes, como o ciclone de setembro de 2023 e as chuvas intensas de maio de 2024, resultaram em níveis históricos do Rio Taquari, superando recordes anteriores e causando perdas e deslocamento de famílias. 

Esse trabalho resultou em três termos de referência. Eles estão contemplados agora no Plano Rio Grande. São três frentes importantes: a primeira de capacitação, não só dos técnicos, mas também da população. Desenvolver nos moradores a percepção de risco. Como isso vai ser comunicado, desde a educação ambiental, educação prática, principalmente escolas. Isso está sendo feito agora. O comitê está trabalhando junto com a Secretaria de Educação nesse sentido, de melhor informar as comunidades. Qual é a melhor forma de alerta? Depende da comunidade. Em algumas comunidades pode ser no WhatsApp e em outras o sinal de internet não é bom. Então, vai ter que ser sirene, ter aviso via rádio. Não dá para pegar um modelo único. Tudo já foi trabalhado na época e me alegra saber que podemos aplicar nos municípios essas medidas que têm bom embasamento técnico.

Quais as outras medidas apontadas nos termos de referência dos pesquisadores que podem ser aplicados na realidade local. Ou mesmo em outras cidades do país?

Um outro termo de referência é bastante importante e diz respeito a questão de ordenamento espacial. Basicamente, era uma proposta de apoio às prefeituras da região, para que adaptassem seus planos diretores seguindo uma ótica de redução de risco de desastres. Então, por exemplo, que tipo de ocupação pode ocorrer em cada área? Essa área tem que ser um parque linear, porque não pode ter ocupação, por exemplo. Uma outra tem mais restrições, e assim por diante. Isso também está contemplado no Plano Rio Grande, e foi feito em 2015.

O terceiro é bem mais da minha área original, porque eu acabei migrando para redução de riscos de desastres. São equipamentos para monitoramento da bacia como um todo. Então, eu estou confortável nessa posição de secretário executivo, porque podemos executar o que propomos e que nunca foi executado. Os levantamentos, as batimetrias e a topografias estão alinhados perfeitamente para que a gente possa fazer uma previsão de curto prazo adequada.  Para que se possa dizer quando e qual área deve ser evacuada, a partir de um conhecimento detalhado do espaço. Ou seja, com essas informações a gente consegue um modelo hidrodinâmico bem calibrado. Conseguimos prever: choveu tanto, definimos chuva, vazão e hidrodinâmica, e conseguimos monitorar com maior métrica e previsibilidade como a água vai se deslocar.

Há modelos semelhantes em uso em outros países, com uso de IA, certo?

Sim. Eu conheci um modelo similar nos Estados Unidos, com uso de Inteligência Artificial. Eles tinham todos os prédios catalogados para fazer o monitoramento de cheias. E isso a gente também pode fazer, temos elementos para isso. Vir o alerta em um tempo suficiente: em determinada hora a água deve chegar ao nível tal na rua de baixo. Isso a gente pode fazer. Nós temos todas as condições hoje de fazer. A grande questão que ainda precisamos desenvolver é a relação com o voluntariado, a organização com as comunidades a partir dessa relação de apoio. Porque lá é diferente, há um nível de organização e engajamento maior. Mas é algo que pode avançar aqui também.

Além da adesão voluntária para apoio da Defesa Civil nas cidades, com medidas preventivas, é importante maior integração entre as instancias de governo, não?

Este é um dos grandes desafios que temos no Brasil. A falta de articulação entre os diferentes níveis de governo: municipal, estadual e federal. Muitas vezes isso é complicado por questões políticas. Felizmente, em grandes tragédias, como vivemos no Rio Grande do Sul, essa dificuldade é superada.  Mas tecnicamente esse problema não existe, até porque há bom relacionamento entre especialistas, docentes e pesquisadores, que trocam muita informação. Vejam meu caso: atuo em nível estadual e tenho um ex-aluno que contribui em uma instância federal. Há uma convivência muito boa e produtiva na competência científica. Mas a decisão, devo lembrar, é política. O comitê científico tem como função fornecer elementos técnicos científicos para tomada de decisão, que é política.  Em determinados momentos, a referência técnica tem mais influência. Em outros, nem tanto. Penso que vivemos um momento positivo, com aval político para avanços em sistemas de proteção e captação de recursos.

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