O carro elétrico e o imposto do pecado

Nelson Fonseca Leite
Diretor Executivo do Comitê Brasileiro do Conselho Mundial de Energia e membro do Conselho Deliberativo da SME

Quando eu vejo as notícias de jornais sobre a reforma tributária e as ações no Congresso Nacional para enquadramento do veículo elétrico no Imposto do Pecado fico estarrecido. A caracterização desse imposto como sendo aquilo que faz mal à saúde, como cigarros e bebidas, enquanto armas ficam de fora. A colocação do veículo elétrico nessa lista, me faz lembrar uma história que aconteceu há mais ou menos 140 anos na cidade de Juiz de Fora, aqui em Minas Gerais.

Havia na cidade uma fábrica de tecidos chamada Mascarenhas. Juiz de Fora naquela época era chamada de Manchester Mineira por causa da indústria textil. O proprietário da fábrica Bernardo Mascarenhas comprou  uma cachoeira e resolveu fazer uma usina hidrelétrica para fornecer energia elétrica à fábrica de tecidos. A fábrica funcionava durante o dia e a usina funcionava 24 horas por dia, então ele resolveu entrar com pedido na Câmara Municipal de Juiz de Fora solicitando uma concessão para distribuir energia elétrica nas ruas da cidade para fazer a iluminação pública.

Não existia nenhuma cidade no Brasil iluminada com energia elétrica e nem fiação nas ruas para distribuição de energia elétrica.  Travou-se um grande debate na Câmara Municipal de Juiz de Fora. Havia um grupo que era contra o projeto e outro grupo que era favorável. O lado bom disso tudo é que todas as reuniões para tratar desse assunto estão registradas em atas e foi possível depois resgatar essa história.

A ala que era contra buscou apoio no bispo de Mariana que fez uma carta Episcopal aos fiéis dizendo que os vereadores não deveriam aprovar aquele projeto de lei pois se tratava de coisa do diabo. Que a rede elétrica nas ruas significava um atentado à vida, pois as pessoas iriam tocar nos fios e levar choque. Isso atentava contra a vida do ser humano e como a vida é um dom de Deus aquilo seria coisa do capeta.

O Bernardo Mascarenhas então procurou o engenheiro Arão Reis, no Rio de Janeiro e contratou um parecer técnico sobre o assunto. Belo Horizonte não existia e Arão Reis foi um dos projetistas de Belo Horizonte alguns anos depois. No seu parecer, ele escreveu que não haveria problema de segurança, desde que fossem respeitadas as distâncias entre as partes energizadas e as partes aterradas e que os fios fossem colocados a uma altura que as pessoas não pudessem tocar.

Além disso, ele escreveu, também, que já havia uma cidade nos Estados Unidos que há seis anos era iluminada com energia elétrica. Tratava-se do projeto da Edison Electric Illuminating Company, fundada pelo inventor Thomas Edison, que em 4 de setembro de 1882, ligou pela primeira vez, lâmpadas elétricas em via pública. Isso aconteceu na famosa Wall Street de Nova York.

Com esse parecer do engenheiro Arão Reis, o empresário Bernardo Mascarenhas conseguiu ganhar a votação na câmara de vereadores de Juiz de Fora e aprovar o projeto de lei que permitiu a construção da primeira rede urbana de distribuição de energia elétrica da América Latina.


Foto: Crédito Freepik

Eu fico pensando nessa situação e comparando com o projeto de lei do Imposto do Pecado que está tramitando no Congresso Nacional nos dias de hoje. O enquadramento do veículo elétrico nesse projeto de Imposto do Pecado não seria similar aquela história da energia elétrica ser considerada coisa do diabo?  É claro que existem objetivos ocultos. Existe uma intenção oculta nessa lei, na medida em que o legislador tenta proteger interesses de grupos de influência e usar esse argumento como uma forma de prejudicar o aumento da participação do veículo elétrico.

Um absurdo, quando nós sabemos que há uma tendência mundial de eletrificação da economia e que o veículo elétrico e teria uma participação importante na transição energética. Ele ajudaria a diminuir as emissões de carbono para atmosfera. Isso não está sendo levado em consideração. Apenas interesses de grupos econômicos que não querem que o carro elétrico aumente sua participação no mercado.  Quase 140 anos depois, temos novas vozes ocultas e com interesses inconfessáveis em ação.

Artigo publicado no Diário do Comércio – 12 de julho de 2024

E-mail: nelsonleite4760@gmail.com

 

 

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