Patrícia Boson
A gestão ambiental, e com ela os organismos competentes para executá-la, nasceram tendo como alicerce um estilo de gestão denominado comando e controle. Estilo baseado no estabelecimento e manutenção de poder e controle de pessoas e suas atividades, expressando-se por normas e processos organizacionais. No Brasil, o comando e controle é o estilo de gestão dominante, não só no campo ambiental, infelizmente.
Estudos avaliam que, apesar de todos os avanços tecnológicos e, apesar de estarmos na era do conhecimento, essa opção arcaica continua dominando e crescendo, com alta capacidade de contágio, porque muitos gestores e líderes acreditam que essa é a única forma de fazer uma gestão correta. Para exemplificar, cito o Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Instituído com um modelo de gestão moderno, tendo o apoio, para sua execução, de instrumentos de engajamento, planejamento e conhecimento (sequer a fiscalização é mencionada), o Sistema vai definhando em seu modelo original e ganhando feições cada vez mais regulatórias, normativas e processuais.
O bom combate – A realidade brasileira comprova que esse é um estilo difícil de ser derrotado. Basta compararmos capacidade orçamentária, de recursos humanos e níveis salariais dos organismos que controlam e daqueles que executam. Mas, não devemos desanimar. Combater esse estilo é preciso, pois é ele um dos principais inimigos, da transparência, da inovação e do engajamento; portanto, da competitividade e do desenvolvimento econômico e socioambiental.
Em um cenário assim, não existe espaço para assumir riscos e, portanto, para engenhar soluções e praticar a boa engenharia. Pois tudo precisa passar pela cadeia de comando, por um cipoal de normas e processos, e por revisões e carimbos de uma teia de organismos controladores. O resultando é uma elevada capacidade de promover o medo e, com ele, a indecisão. As organizações executoras vão assim perdendo seus profissionais mais talentosos e a gestão como um todo a essencial referência técnica especializada.
Não à toa, empreendedores em processos de implantação de suas atividades cada vez mais se ancoram em bons escritórios de advocacia e cada vez menos em bons consultores das engenharias. Menciona-se ainda o óbvio, que é o fato de o comando e controle gerar mais trabalho, ser mais caro, mais moroso, inibir ou diminuir o aprofundamento técnico da temática, para alcançar menor resultado. Na área ambiental e de recursos hídricos, indicadores básicos de qualidade estão aí a demonstrar.
A boa engenharia – Para esse bom combate, meu apelo é para o reconhecimento da necessária e boa engenharia. Para começar, é preciso desmanchar o modelo mental que têm em torno do meio ambiente, de modo geral, a comunidade e, em particular, a sociedade civil organizada. A atual presidente da SME,Virgínia Campos, resume bem a função do engenhar: “Sem risco de errar, todas as ações contidas e executadas no ambiente das engenharias visam garantir direitos aos cidadãos, de morar, de segurança, física e alimentar, de ir e vir, dentre outros, que dão mais tempo e maior significado à vida”.
Na gestão ambiental não é diferente. São das engenharias as inovações que contribuem para um mundo, com sete bilhões de habitantes, mais sustentável. Poderíamos apenas ficar com o que significa o alcance da tecnologia da informação para o saber e o sentir ambiental, pois os exemplos são quase infinitos no campo da gestão de resíduos sólidos, dos recursos hídricos, das emissões atmosféricas, da eficiência energética, do fazer e plantar mais com cada vez menos recursos naturais.
Outro passo importante é reverter o caminho gradual de afastamento da boa engenharia dos fóruns nos quais os desafios ambientais são postos. Nesse diapasão, mais que participar com a oferta de conhecimento, é chegada a hora de liderar os processos de gestão ambiental. Que deixarão de ser expressos em artigos, parágrafos e incisos, mas em modelos matemáticos de apoio a decisões, em ferramentas tecnológicas online, em soluções engenhadas de acordo com as características físicas e a capacidade de suporte, mensurável, do ambiente. Não, claro, sem considerar outras especialidades, e não sem ouvir as expectativas e desejos sociais.
Falamos de um basta para o fato, real, de as engenharias não terem espaço honesto – sem coação, sem estereótipos – para se apresentarem. Não são poucas as normas e termos que contêm barbaridades técnicas, comparáveis à revogação da lei da gravidade. Não são poucos os documentos assinados por não especialistas, portanto carregados de enganos e impossibilidades físicas e que, mesmo assim, dão suporte a atos autorizativos que restringem atividades promissoras para o bem estar social. Isso quando não provocam mais impactos ambientais ou impedem a maneira correta de mitigá-los.
Patrícia Boson é engenheira e integrante da Comissão Técnica de Recursos Hídricos da SME
SME/Assessoria de Comunicação