
Paulo Rogério Machado
Engenheiro cartógrafo formado pela Faculdade de Minas Gerais, associado da SME. É diretor técnico da GPON Engenharia Projetos e Consultoria
A paisagem urbana mineira vem sendo cada vez mais afetada por um problema silencioso, porém de grande impacto: a poluição visual provocada pelo emaranhado de cabos aéreos das redes de telecomunicações, internet e TV por assinatura. Em cidades de pequeno, médio e grande porte, o cenário dos postes urbanos se tornou um retrato caótico da expansão desordenada da infraestrutura de conectividade, agravada pela ausência de padronização, fiscalização eficaz e gestão integrada dos ativos compartilhados.
Nos últimos anos, especialmente com o crescimento exponencial dos provedores regionais de acesso à internet, fenômeno impulsionado pela demanda por banda larga durante e após a pandemia, houve um aumento substancial no volume de cabos lançados sem os devidos critérios técnicos. A instalação improvisada, muitas vezes clandestina, gerou um passivo preocupante, tanto em termos de estética quanto de segurança pública.
Um marco relevante nesse cenário foi a descontinuidade da Oi como concessionária pública de telefonia fixa, oficializada no final de 2024. A reestruturação da empresa resultou na retirada de quilômetros de cabos metálicos e fibras ópticas obsoletas, que durante décadas ocuparam o espaço aéreo urbano sem uso efetivo. Embora esse movimento represente um alívio momentâneo na paisagem, ele também expõe o vácuo regulatório que persiste no setor: quem, afinal, será responsável pela gestão integrada dos ativos aéreos nos próximos anos?
Essa transição abre espaço para uma discussão urgente sobre o modelo de ocupação do espaço público por empresas de telecomunicações, energia e infraestrutura. É essencial construir um novo paradigma que alie inovação tecnológica, sustentabilidade e segurança urbana.
Se antes o problema se restringia aos grandes centros urbanos, hoje a poluição visual provocada pelos cabos se alastra por praticamente todas as regiões de Minas Gerais. Alguns exemplos emblemáticos ilustram a gravidade da situação:
• Belo Horizonte: bairros como Venda Nova, Taquaril, São Bento convivem com cabos pendurados a menos de dois metros do solo, enrolados em postes ou simplesmente abandonados. Moradores relatam a sensação de insegurança ao transitar pelas calçadas e a constante ameaça de acidentes.
• Região Metropolitana: em cidades como Betim, Ribeirão das Neves, Sete Lagoas, Lagoa Santa, Santa Luzia, Vespasiano e Juatuba, ações conjuntas entre a Cemig e órgãos municipais identificaram centenas de redes clandestinas, cabos sem uso e conexões improvisadas. Em muitos casos, o material irregular foi removido, somando toneladas de fios descartados.
• Segundo dados extraídos do site da Cemig, em publicação de 09/07/2025:
“No primeiro trimestre deste ano, os técnicos da Cemig já vistoriaram mais de 12 mil postes e retiraram a fiação de 19 empresas que atuavam de forma clandestina no sistema de distribuição da companhia. Nos últimos meses, a companhia tem reforçado a notificação das empresas que operam de forma irregular e trabalhado em conjunto com os municípios para promover ações de conscientização que visam educar sobre os riscos e a necessidade de regularização.” (CEMIG, 2025)
Esses dados demonstram que a poluição visual oriunda da desorganização nas redes aéreas de telecomunicações é um problema sistêmico, que exige uma abordagem estadual e integrada para sua mitigação.

Rua Pinto Alves 3284, Lagoa Santa (Foto do autor)
Engana-se quem acredita que a poluição visual provocada pelas redes de cabos aéreos é um incômodo meramente estético. Os impactos vão além e incluem riscos reais à vida e ao patrimônio: quedas de cabos sobre pedestres, ciclistas e veículos, especialmente durante ventanias ou acidentes com postes; curto-circuitos decorrentes da proximidade entre cabos metálicos e linhas energizadas; incêndios provocados pela sobrecarga ou mau estado de conservação das infraestruturas compartilhadas; danos à rede elétrica esultando em interrupções no fornecimento de energia e degradação dos equipamentos; comprometimento de serviços essenciais, como internet, telefonia e vigilância eletrônica, que dependem da estabilidade da rede aérea. Adicionalmente, o acúmulo de cabos sem uso aumenta o peso nos postes, gerando sobrecarga estrutural e exigindo manutenção frequente por parte das concessionárias de energia.
A engenharia, como ciência aplicada à solução de problemas complexos, tem papel central nesse processo de transformação. Rebaixamento da rede, rede aérea neutra, remoção de cabos inutilizados são alguns exemplos.
Caminhos para a solução
A mitigação desse problema exige atuação estruturada e integrada, envolvendo:
Compartilhamento ordenado de infraestrutura: definição de critérios técnicos, responsabilidades, limites de carga e padronização vertical.
Enterramento de cabos em áreas críticas: priorizando regiões históricas, turísticas e de alta densidade.
Tecnologia na gestão das redes: uso de drones, inteligência artificial, sensores e GIS para monitoramento preventivo e redução de custos.
Engajamento institucional e fiscalização integrada: criação de comitês técnicos e consórcios regionais para garantir eficiência e capacitação técnica.
O Papel da SME
A Sociedade Mineira de Engenheiros, entidade do terceiro setor com legitimidade para atuar na defesa institucional e promoção de políticas públicas voltadas à engenharia, e capacitada para articular soluções técnicas e institucionais, está organizando um seminário de um dia para debater o tema com representantes do governo, empresas e sociedade civil.
O evento reunirá especialistas, gestores públicos, concessionárias, órgãos reguladores, provedores de internet, urbanistas e organizações sociais, com o objetivo de construir consensos e propor medidas concretas para a ordenação das redes de telecomunicações e a preservação da qualidade visual urbana.