Projetos básicos deficientes geram 47% das interrupções em obras


Foto: Diretoria da SME e palestrantes do seminário em BH

Projetos mal concebidos ou mal elaborados e empresas com baixa capacidade técnica e financeira tendem a colocar os seus trabalhadores em situação de risco. Muitas vezes, os profissionais não são devidamente treinados e orientados para as tarefas diárias. Não dispõem dos equipamentos de proteção coletiva e individual, não contam com o apoio de equipes de apoio, de encarregados experientes e de técnicos e engenheiros de segurança para lhes indicar a forma mais segura de realizar um serviço. Brasileiros que saem de casa em busca do sustento e, vítimas de acidentes, não retornam para casa.

O alerta do engenheiro civil Ackel Bracks, sensível a uma drama que se repete, precedeu o minuto de silêncio às vítimas de acidentes de trabalho no país.  A homenagem foi celebrado durante o seminário Licitação e contratos para uma engenharia segura e de qualidade, realizado na sede da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME), no dia 29 de abril. Em 2023, a construção civil foi responsável por 20.224 afastamentos previdenciários no Brasil. Minas Gerais é o segundo no ranking nacional. Os dados constam no Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, rede de cooperação e dados estatísticos formada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de bases fornecidas pelo SUS e IBGE


Foto: Ackel Bracks, coordenador da Comissão Técnica de Construção Pesada e Infraestrutura da SME (CTCPI)

Abandono de contrato

O evento foi aberto pelo vice-presidente da SME, José Cláudio Nogueira Vieira, que representou a presidente Virgínia Campos. Vieira ressaltou a disposição da entidade em promover debates técnicos afeitos à engenharia de qualidade e agradeceu a presença de especialistas no tema. Eles abordaram como a forma de seleção e de contratação influencia na entrega de serviços de engenharia. E como escolhas assertivas são determinantes para a saúde e segurança do trabalho.

No Brasil, muitas propostas inexequíveis ainda são ofertadas, e contratadas.  São projetos de rodovias, escolas e hospitais que não avançam além da promessa. De acordo com a auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), 23% das obras paradas não são concluídas por abandono do contrato pela empresa. Esse número só é menor do que as paralisações ocorridas por conta de projetos básicos deficientes, responsáveis por 47% das interrupções.

Não bastasse esse cenário, que trava o desenvolvimento do país. Há outro fator de risco apontado pela auditoria do TCU: a falta de qualidade nos projetos. No Brasil é possível licitar obras apenas com anteprojetos ou projetos básicos. “Eu acredito que essa permissão de contratar sem projetos executivos ocorra por absoluta falta de planejamento dos gestores públicos”, disse Ackel, coordenador da Comissão Técnica de Construção Pesada e Infraestrutura da SME


Foto: Roberto Brito, professor da
Universidade Anhanguera São Paulo

A primeira palestra foi realizada por Roberto Brito, professor no curso de MBA em ESG e Sustentabilidade Empresarial na Universidade Anhanguera São Paulo. Na apresentação, narrou situações reais e mostrou como acidentes resultam em custos elevados para as empresas, como despesas com indenizações, tratamento médico, reabilitação e perda de produtividade, além de danos à imagem, perda de clientes e queda na moral dos trabalhadores. “Quando a prioridade é custo, há impactos. Segurança não deve ser colocada em segundo plano. É preciso ter rigor antes da assinatura dos contratos. Gestores, por vezes, não dimensionam a questão probabilidade x severidade”, alertou.


Foto: O geólogo Leandro Quadros Amorim falou sobre barragens

Licitação e contratos

A mesa de debates Licitação, Contratos, Responsabilidade e os Acidentes na Engenharia ampliou o debate sobre o tema. O geólogo Leandro Quadros Amorim destacou mudanças na legislação a partir dos desastres ocorridos em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019.  A apresentação trouxe os principais documentos relativos às causas do rompimento em Brumadinho, como o relatório da TUV SUF e relatório do CIMNE, que apresenta o resultado do modelamento numérico da barragem onde se simulou a liquefação. Em relação a Mariana, destacou o Fundão Tailings Dam Review Panel, onde se apresentam as causas do rompimento daquela estrutura.

Desde 2020, o Brasil conta com a Política Nacional de Segurança das Barragens (PNSB). Com a nova lei, fica proibida a construção de barragens do tipo a montante, usado nas duas estruturas que romperam. “As barragens precisam de cuidados permanentes e não há risco zero. Então, a proibição é acertada. Mas o fator de segurança em empreendimentos assim não pode ser usado como único critério. É preciso monitoramento constante, além de rigor na seleção de profissionais que irão fiscalizar as estruturas, com pós-graduação na área e experiência profissional comprovada”, disse.


Foto: O engenheiro civil Mário Cicareli falou sobre enchentes e deslizamentos.

O engenheiro civil Mário Cicareli abordou a ausência da engenharia ou de drenagem urbana em enchentes e deslizamentos. As cheias podem ocorrer na forma de alagamentos, por deficiências dos sistemas de drenagem urbana, ou por transbordamentos de cursos de água para as respectivas planícies de inundação, atingindo as benfeitorias que possam ter sido construídas em áreas de risco. Já os deslizamentos estão associados ao risco geológico de ocupação de áreas próximas a encostas instáveis, que podem ter nas chuvas o gatilho para a ocorrência de movimentos de massa.

Cicareli apontou práticas adotadas em outros países, com abordagens consagradas para analisar a estabilidade de encostas com mapeamento de áreas mais suscetíveis a escorregamentos. “Não vejo a aplicação de algumas técnicas no país, inclusive nas cidades da região metropolitana de BH. Também é preciso maior rigor no controle das ocupações das áreas de risco. Um rio sempre irá transbordar, é da natureza de um curso d’água. Há conhecimento e engenharia disponíveis. É urgente a ação para evitar tragédias que se repetem”, avisou


Foto: Engenheiro de fortificação e construção André Kuhn

Na mesma mesa, o engenheiro de fortificação e construção André Kuhn destacou modelos de licitação e contratos e a responsabilidade solidária. Com experiência em órgãos públicos e na iniciativa privada, Kuhn mostrou à plateia que não há equilíbrio de poder entre as partes em contratos públicos. Segundo ele, há uma supremacia do contratante. Assim o empresário precisa entender diferentes regramentos e leis, como a Lei de Licitações e Contratos, de 2021. Sugere ainda conhecimento para analisar os editais e pregões. “Há um exemplo claro dessa relação no artigo 121 de Lei 14.133. Somente o contratado será responsável pelos encargos fiscais, comerciais, trabalhistas e previdenciários”, ressaltou.

O debate foi mediado pelo vice-presidente de Relações Institucionais da SME, Adalberto Rezende. “No Brasil, há leis que pegam e outras não. Esse debate é uma oportunidade para fortalecermos o entendimento sobre o valor da 14.133, que prevê a redução da burocracia e transparência nos gastos públicos. Essa lei precisa avançar a efeitos concretos, para o bem da infraestrutura brasileira”, disse o ex-professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com experiência Escola de Engenharia e na Escola de Arquitetura e Urbanismo.

Para a coordenadora do evento, Patrícia Boson, o debate demonstrou a assertividade da máxima de Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna: “O trabalho mais importante e mais difícil não é encontrar a resposta correta, mas fazer a pergunta certa”. Segundo ela, os modelos de licitação e dos contratos, apresentados em conhecimentos e vivências expostas nas palestras, são as perguntas corretas para se obter uma engenharia segura e de qualidade.

Como consequência, resta a necessidade da capacitação técnica não apenas para os contratados, mas, especialmente, para os contratantes. “A engenharia nacional precisa crescer e conquistar espaço profissional, tal como é hoje na área do direito, com carreiras públicas atraentes e privilegiadas. Sem uma engenharia segura e de qualidade, não há desenvolvimento e sustentabilidade. E, outra máxima, agrava as injustiças e os desequilíbrios socioeconômicos do país”, afirmou Patrícia, coordenadora da Comissão Técnica de Recursos Hídricos e Saneamento da SME.

O evento foi patrocínio da Foco, empresa especializada em gestão de contratos.


Foto: Flávio Dolabela, gestor da Foco, entre Roberto Brito e José Cláudio Nogueira Vieira e Adalberto Rezende.

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