Fim dos lixões no Brasil: a cobrança pelos serviços e parcerias público-privadas

Frederico Ferreira de Vasconcelos é engenheiro civil, MBA, Head de Saneamento da Houer Engenharia e Concessões e membro da Comissão Técnica da PPP do Agreste. Consultor de agências internacionais da Alemanha (GIZ) e dos Estados Unidos (USAID e USEPA). Foi diretor de engenharia da autarquia municipal de São Lourenço/MG e é membro da Comissão de Recursos Hídricos e Saneamento da SME

 
Crédito: Freepik Lixões são um desafio há décadas no Brasil

A prática desastrosa de destinar os resíduos sólidos urbanos nos lixões, ainda praticada por muitos municípios brasileiros, é um desafio ambiental, social e de saúde pública que tem sido objeto de políticas e legislações ao longo dos anos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010, estabeleceu diretrizes para o manejo e a gestão adequada dos resíduos sólidos, incluindo a erradicação dos lixões até 2014.

No entanto, as administrações municipais não foram capazes de erradicar essa prática nefasta e diversas dilações de prazo foram estabelecidas, com o mais recente sendo em 2024. A prorrogação desses prazos reflete a incapacidade das gestões municipais em resolver o problema, associada à falta de recursos financeiros e desafios logísticos e de infraestrutura.

Para não perder o hábito, há um projeto de lei em tramitação que propõe mais uma prorrogação, de outros 5 anos, para a erradicação dos lixões nos municípios de até 50 mil habitantes. O PL 1323/24 encontra-se na Câmara dos Deputados e, se aprovado, certificará mais uma vez a incompetência dos entes federativos em enfrentar a questão.

Embora o PL preveja a obrigatoriedade desses municípios em tomar medidas alternativas, pergunta-se se os novos prefeitos, que tomam posse em janeiro de 2025, estão dispostos a enfrentar a questão como ela realmente é: um absurdo. Além do mais, a medida beneficia a maioria dos municípios brasileiros, o IBGE aponta que dois terços dos 5.570 municípios do país têm menos de 20 mil habitantes.

Os lixões a céu aberto são fontes de contaminação do solo e da água, incluindo as águas subterrâneas, afetando sua qualidade para consumo humano, atividades agrícolas e industriais. Muitos desses poluentes podem não ser retirados da água bruta nos processos normais de tratamento, chegando até nossas torneiras. Os lixões também contribuem para a poluição do ar, com a emissão de gases de efeito estufa, como o metano. Em um momento que tanto se fala em transição energética e descarbonização da economia, a captura e a utilização do metano para geração de energia elétrica ou de biometano são medidas obrigatórias na gestão moderna dos resíduos urbanos.

Como se não bastasse, os lixões atraem vetores de doenças que transmitem enfermidades para a população. A exposição prolongada a esses ambientes insalubres traz problemas de saúde crônicos e a um aumento nos gastos com tratamentos médicos e com a recuperação ambiental. Para completar, muitos lixões ainda abrigam comunidades de catadores que vivem em condições desumanas, vivendo daquilo que conseguem retirar do lixo, perpetuando um problema social vergonhoso.

A prorrogação do prazo para o encerramento dos lixões no Brasil, portanto, prolonga todos esses impactos negativos e retarda o progresso em direção a um modelo de gestão de resíduos mais sustentável. A transição para aterros sanitários, que são estruturas projetadas para minimizar os impactos ambientais e proteger a saúde pública, é uma medida essencial, pois permitem o tratamento dos efluentes líquidos, a captação e queima do gás metano, ou sua utilização energética, e a recuperação de áreas degradadas.


Crédito: Freepik Parcerias público-privadas são caminho viável para cumprimento da lei, avalia Frederico Vasconcelos

Do ponto de vista da sustentabilidade financeira, a cobrança de tarifa pelos serviços de manejo de resíduos sólidos está sob a responsabilidade dos gestores municipais que devem instituir a sua cobrança. Esse é o mecanismo preconizado pelo Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei Federal n° 14.026/20), que reconhece os serviços de manejo de resíduos sólidos como uma utilidade econômica, permitindo a cobrança individual de tarifa do usuário gerador. A implementação de tarifas é justificada pela necessidade de financiar adequadamente os serviços, divisíveis, e essencial para a preservação da saúde pública e do meio ambiente, considerando a capacidade de pagamento dos cidadãos.

A Norma de Referência nº 1 da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) estabelece as diretrizes para a sustentabilidade financeira dos serviços. Esta norma, aprovada pela Resolução nº 79 de 14 de junho de 2021, dispõe sobre o regime, a estrutura e os parâmetros da cobrança pela prestação deste serviço público, delineando os procedimentos e prazos para fixação, reajuste e revisões tarifárias.

A norma visa assegurar que a cobrança pelo serviço de manejo de resíduos sólidos seja justa e suficiente para cobrir os custos, promovendo a autossuficiência financeira e evitando a dependência de subsídios governamentais que podem ser instáveis ou insuficientes. A prorrogação do fim dos lixões anda de mãos dadas com a ausência de cobrança pelos serviços, haja vista que a instituição de tarifas é sempre um assunto espinhoso para os políticos, que advogam a favor da prorrogação do prazo de encerramento dos lixões enquanto se esquivam de instituir a cobrança necessária para fazê-lo.

Por sua vez, investimentos em infraestrutura são fundamentais para a implementação da PNRS e para o fim dos lixões. Nesse contexto, destacam-se as parcerias público-privadas (PPP). Elas oferecem um caminho viável para superar os desafios financeiros e operacionais, promovendo a sustentabilidade, a inovação e a eficiência, enquanto atendem às necessidades da população e contribuem para a proteção do meio ambiente. A Lei 11.079/04 e a 14.026/2020 fornecem as diretrizes necessárias para que essas parcerias sejam implementadas de maneira eficaz, garantindo benefícios a longo prazo para a sociedade e o meio ambiente.

Em conjunto com a instituição de tarifas para sustentar os serviços públicos, as PPP representam um modelo de colaboração estratégica entre o setor público e o privado com imenso potencial para o desenvolvimento e aprimoramento da infraestrutura de resíduos sólidos urbanos. Esse arcabouço legal permite ao setor público contratar os serviços através de concessões, impondo ao concessionário a execução de todas as obras necessárias para a criação da infraestrutura requerida, além do cumprimento de metas operacionais, sendo especialmente relevante quando há falta de recursos financeiros e técnicos.

Além de melhorar a eficiência e a sustentabilidade financeira, as PPP também contribuem para o cumprimento de metas ambientais e de saúde pública. Com a implementação de tecnologias avançadas e práticas de gestão aprimoradas, é possível aumentar as taxas de reciclagem e reduzir a quantidade de resíduos destinados a aterros sanitários, contribuindo para a redução da poluição e da emissão de gases de efeito estufa.

Considerando que os contratos de PPP podem durar até 35 anos, sua instituição permite aos municípios garantir o cumprimento da lei, a proteção ambiental e a saúde pública, sem necessidade de desembolsos financeiros do erário, e a sustentabilidade através das tarifas, não havendo qualquer desculpa ou justificativa para a prorrogação infinita do prazo de encerramento dos lixões, uma prática vergonhosa e criminosa.

Por fim, não se pode esperar nada menos que a aplicação das ferramentas e mecanismos existentes pelas novas administrações municipais, que se iniciam no liminar do final do primeiro quarto do século XXI, para encerramento definitivo dos lixões, sem protelações, prorrogações e enrolações.

 

 

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